Penso na Melody. Quando ela veio, houve tristeza e os pais e parentes e amigos perguntaram porquê. Quando ela se foi, os mesmos pais parentes e amigos perguntaram porquê. Sem saber porque, deram-lhe o nome de melodia: Melody. Veio com olhos amendoados e Síndrome de Down. Foi-se aos treze anos, o corpo inteiro coberto de feridas causadas pela leucemia.
Nos dias em que ela veio perguntaram a mim, sacerdote e amigo que tive pais paralíticos e um sobrinho neto com problema semelhante ao dela, como enfrentar aquela situação. Fui um dos muitos que lhes disseram que ela mais ensinaria do que aprenderia com eles. Os mártires ensinam. Parecem arbustos que crescem tortos e feridos, mas cujos frutos são mais doces do que os de muitas árvores sadias.
Assim aconteceu. Encheu a casa de risos, carinho, abraços e situações inusitadas. O corpo no qual ela morava, pois viam que ela era maior do que os seus limites, pregou-lhe muitas peças, a começar com pelo cérebro que não assimilava tudo. Mas amor e perdão ela assimilava mais depressa do que qualquer um. Não fingia. Era sempre a mesma. A alma era sadia como esses raros riachos que, milhas depois da nascente, continuam com a mesma pureza e transparência. Amar, era com ela! Às vezes, por algumas soluções que encontrava, quem vivia ao seu lado se perguntava sobre quem ali era mais carente. Mais educou do que foi educada.
De repente a outra notícia: Melody contraíra leucemia. Finalmente, meses depois, a noticia final: Melody morrera aos treze anos.
Cinco notícias: a da concepção, a do nascimento, a da síndrome, a da leucemia e a da morte. Quando liguei para externar meus sentimentos a vó lembrou: - “Você disse que ela era como essas conchas que não se parecem com as outras conchas, mas são feitas do mesmo material e às vezes chamam mais atenção do que as outras. Sentiríamos orgulho de ter um ser humano diferente e especial entre nós. Aprenderíamos que um ser humano é o que é e não o que parece ser”.
Arrematei. – “Foi o que eu disse! Descobriram depois das lágrimas do dia em que ela veio, o sorriso de tê-la em sua família. Agora, depois do choro e da saudade porque ela se foi, descobrirão a paz de ter experimentado as gotas de sua alma cristalina. Só Deus sabe o que faz e porque faz. A nós resta chorar, sorrir ou tentar entender. Mas a vinda dela humanizou vocês e lhes deu dois diplomas. Um, quando ela veio e outro, quando se foi. Pouca gente sabe acolher como vocês acolheram. A tristeza e a saudade doerão. Mas vocês agora sabem mais do que o comum das famílias. Anjos existem, e um deles morou treze anos no colo, nos ombros e na casa de vocês!” Mais, não disse. Nem precisaria! Os mestres são eles.
Texto de Padre Zezinho scjceu.climatempo.com.br
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